03 setembro, 2018

Casa longe de casa


"O ponto que ontem era invisível é hoje o ponto de chegada. Amanhã, será o ponto de partida."

Há uma grande diferença entre aquilo que queremos, aquilo que temos e aquilo que podemos ter. Hoje, faz um ano que peguei na mala e saí . Saí da minha casa, do colo da minha mãe, do ombro dos meus amigos, das fronteiras do meu país. Quando à anos atrás me perguntavam se eram uma opção sair do meu país, a resposta era muito rápida : não e apesar na prática a realidade de hoje ser diferente, na teoria, no cantinho mais  bem guardado do meu coração a resposta continua a ser não.
Aquilo que queremos faz-nos sonhar, mas isso não basta. Sonhar não nos paga as contas e não nos faz sentir realizados. E nos dias normais quero o mundo, mas há dias em que o mundo não me chega e quero mais e a verdade é que esse mais nunca mais chegava.
Aquilo que temos é bom, para nos fazer sentir seguros, quem é que quer sair de baixo da asa da mãe e deixar a casa onde cresceu para ir para o desconhecido? Eu queria, mas as condições que o meu país do coração me dá, não mo permitiam, porque uma coisa é o desconhecido controlado que nos faz sentir aventureiros, outra coisa completamente diferente é o desconhecido incerto que nos faz sentir loucos e de cabeça perdida, sem força para manter o foco e nos obriga a desistir vezes em conta.
Aquilo que posso ter, o que eu quiser. Porque sim, porque mereço mais que um quarto em casa da minha mãe. E hoje , adivinhem só...tenho uma casa longe de casa.

Hoje, faz um ano que na mala vieram as lembranças e os melhores momentos, as roupas quentes, um computador, um bilhete de avião e a esperança de uma vida melhor.  Sim porque, não é só porque sim que abandonamos o nosso país, o nosso lar, o nosso conforto, a nossa praia maravilhosa e o vento suave para ir para um país frio onde  metade do tempo é de dia e outra metade é de noite, cheio de chuva e neve lá fora.
A nossa vida não é cheia de luxos e regalias, é preciso muita força e jogo de cintura para atingir os nossos objectivos. É preciso um mar de coragem e determinação para aguentar os dias maus, os dias em que choramos e que não temos vontade de sair da cama sem ser para apanhar o avião de volta para casa. Mas a nossa única e melhor saída é seguir em frente. E por isso, lá vamos nós, dar corda aos sapatos e enfrentar mais um dia, e assim, só por isso somos guerreiros.
Não, não é fácil ser obrigado a lutar pela vida longe de casa, porque nada é tão difícil como  fazer-nos de fortes e pensar positivo quando chega a hora da partida para longe de todo o que nos pertence. Perdemos muitos momentos, e o pior nem são os bons , são os maus. Nos maus momentos doí em doses triplas não poder estar por perto para dar aquele ombro e aquele abraço a quem mais precisa, àqueles que são o prolongamento de nós mesmos, que nos precisam e nós simplesmente não podemos estar. Perdemos o crescimento dos filhos, dos irmãos, dos primos e dos filhos das amigas. Perdemos festas de anos e jantares de família e amigos. Perdemos dias com os nossos pais e avós. Perdemos os noites de pijama e dias de praia com as amigas, jantares e outras outras coisas. Perdemos Natais e aniversários. Perdemos conquistas e derrotas. Trocando isto tudo por miúdos começamos a dar valor ao que não dávamos, porque até as discussões com as irmãs mais novas e os raspanetes dos nossos pais nos fazem falta. E no meio deste turbilhão há dias em que o que perdemos é mais do que aquilo que ganhamos e aí, no fundo só queremos voltar porque felicidade total é na nossa Terra, junto dos nossos.

Mas depois há o outro lado moeda...Um ano depois cresci, fiquei ainda mais forte e mais responsável, dou mais valor às coisas e às pessoas, sabei muito bem quem são os que estão comigo independentemente de todas as voltas que o mundo possa dar.
Um ano depois atingi várias metas e todos os dias são um dia a menos para chegar ao objectivo final porque consegui ter em pouco tempo aquilo que não consegui ter em anos. E no meio disso, tenho a sorte de ter o melhor do mundo ao meu lado - sem ele, de certo que isto nunca seria possível - e juntos temos uma vida e juntamos dinheiro para voltar a casa. Porque dinheiro não trás felicidade, mas ajuda a ter oportunidades que quem não o tem não sente nem o cheiro, ajuda a pagar a cura para doenças que aparecem do dia para a noite, ajuda a realizar sonhos, ajuda a termos acesso a tudo o que precisamos para ter uma vida com qualidade e a poder aproveitá-la sem passar a semana a pensar como trocar de turno como colega do trabalho para ir ao jantar de anos do filho, e a não ter que escolher entre ir a um concerto ou a uma escapadinha romântica.
Temos ainda a vantagem de conhecer outras pessoas que se tornam imprescindíveis no nosso dia-a-dia, outros sítios, outra cultura, outra língua, outra forma de viver, outra maneira de ver e viver as coisas. Viver experiências únicas e conhecer lugares inacreditáveis. E assim, aos poucos vamos preenchendo aquele vazio que é estar longe de casa, tentando sempre tirar o melhor partido desta experiência única, porque ás vezes é preciso ir para que faça sentido voltar.
Não é fácil ser emigrante, mas nesta altura é o temos, é isso e a segunda casa para montar. Aos poucos temos o que precisamos e de resto? De resto, é esperar que o tempo passe rápido, e que possamos voltar o quanto antes para nossa casa mas desta vez com as malas cheias de novas oportunidades e sonhos a um passo de serem realizados depois de tantos esforços que fazemos por aqui.

E para quem pensa que viver assim é fácil, e que nos dá a mania que somos mais que os outros - só porque podemos chegar ao nosso país e gastar naquilo que nos apetecer nos 30 dias que vamos lá de férias, andar nos melhores carros e comer nos melhores restaurantes, fique ciente que fazemos isso não porque somos melhores que ninguém, mas porque nos outros dias do ano a nossa vida se resume a trabalhar e ir para casa - pense de novo. Porque também temos direito à vida e a aproveitar o que ela tem de melhor sem levar com a inveja alheia. Se quiserem sentir a sensação podem sempre pegar na mala e aventurarem-se e depois sim, julgar à vontade.
Mas, façam-no com a certeza de que emigrar não é para qualquer um. É para gente com garra e coragem, gente que ataca a vida como uma leoa que protege a sua cria, gente que move montanhas para ganhar as suas lutas, para gente que faz das tripas coração para rir quando quer chorar, para gente que vira o mundo ao contrário se for preciso para dar o melhor a si e aos seus. 

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