"Às vezes é preciso aprender a perder, a ouvir e não
responder, a falar sem nada dizer, a esconder o que mais queremos mostrar, a
dar sem receber, sem cobrar, sem reclamar. Às vezes é preciso respirar fundo e
esperar que o tempo nos indique o momento certo para falar e então alinhar as
ideias, usar a cabeça e esquecer o coração, dizer tudo o que se tem para dizer,
não ter medo de dizer não, não esquecer nenhuma ideia, nenhum pormenor, deixar
tudo bem claro em cima da mesa para que não restem dúvidas e não duvidar nunca
daquilo que estamos a fazer.
E mesmo que a voz trema por dentro, há que fazê-la sair firme e
serena, e mesmo que se oiça o coração bater desordeiramente fora do peito é
preciso domá-lo, acalmá-lo, ordenar-lhe que bata mais devagar e faça menos
alarido, e esperar, esperar que ele obedeça, que se esqueça, apagar-lhe a
memória, o desejo, a saudade, a vontade.
Às vezes, é preciso partir antes do tempo, dizer: aquilo que mais
se teme dizer, arrumar a casa e a cabeça, limpar a alma e prepará-la para um
futuro incerto, acreditar que esse futuro é bom e afinal já está perto, apertar
as mãos uma contra a outra e rezar a um Deus qualquer que nos dê força e
serenidade. Pensar que o tempo está a nosso favor, que a vontade de mudar é
sempre mais forte, que o destino e as circunstâncias se encarregarão de atenuar
a nossa dor e de a transformar numa recordação ténue e fechada num passado sem
retorno que teve o seu tempo e a sua época e que um dia também teve o seu fim.
Às vezes mais vale desistir do que insistir, esquecer do que
querer, arrumar do que cultivar, anular do que desejar. No ar ficará para
sempre a dúvida se fizémos bem, mas pelo menos temos a paz de ter feito aquilo
que devia ser feito. Somos outra vez donos da nossa vida e tudo é outra vez
mais fácil, mais simples, mais leve, melhor.
Às vezes é preciso mudar o que parece não ter solução, deitar tudo
a baixo para voltar a construir do zero, bater com a porta e apanhar o último
comboio no derradeiro momento e sem olhar para trás, abrir a janela e jogar
tudo borda-fora, queimar cartas e fotografias, esquecer a voz e o cheiro, as
mãos e a cor da pele, apagar a memória sem medo de a perder para sempre,
esquecer tudo, cada momento, cada minuto, cada passo e cada palavra, cada
promessa e cada desilusão, atirar com tudo para dentro de uma gaveta e deitar a
chave fora, ou então pedir a alguém que guarde tudo num cofre e que a seguir
esqueça o segredo.
Às vezes é preciso saber renunciar, não aceitar, não cooperar, não
ouvir nem contemporizar, não pedir nem dar, não aceitar sem participar, sair
pela porta da frente sem a fechar, pedir silêncio, paz e sossego, sem dor, sem
tristeza e sem medo de partir. E partir para outro mundo, para outro lugar,
mesmo quando o que mais queremos é ficar, permanecer, construir, investir,
amar.
Porque quem parte é quem sabe para onde vai, quem escolhe o seu
caminho e mesmo que não haja caminho porque o caminho se faz a andar, o sol, o
vento, o céu e o cheiro do mar são os nossos guias, a única companhia, a
certeza que fizemos bem e que não podia ser de outra maneira. Quem fica, fica a
ver, a pensar, a meditar, a lembrar. Até se conformar e um dia então
esquecer."
Margarida Rebelo Pinto
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